top of page

Quando as Lágrimas do Terapeuta Encontram a Dor do Paciente: Um Relato Sobre a Humanidade na Psicoterapia

No exercício da psicologia, existe um dilema que permeia nossas práticas diárias: até que ponto devemos manter a neutralidade emocional durante as sessões? Como terapeutas, somos treinados para ouvir com empatia, para guiar nossos pacientes no processo de autoconhecimento e cura, mas sempre com uma certa distância emocional que preserva a objetividade do tratamento. Esse conceito de neutralidade, embora fundamental, pode muitas vezes ser desafiado pela intensidade das experiências que nossos pacientes nos trazem. E foi em uma dessas sessões, enquanto uma paciente compartilhava uma dor profunda, que algo inesperado aconteceu: EU CHOREI.


Para muitos, a ideia de um psicólogo chorando junto com seu paciente pode parecer um desvio da prática clínica tradicional. A visão de que devemos ser como rochas inabaláveis, mantendo sempre a calma e o controle, é amplamente defendida na formação acadêmica. Essa postura de neutralidade é vista como necessária para que possamos oferecer um espaço seguro e imparcial onde o paciente se sinta livre para explorar suas emoções, sem ser influenciado pelas reações do terapeuta.


No entanto, como qualquer ser humano, também sentimos a dor do outro, e às vezes, essa dor é tão intensa e genuína que atravessa as barreiras da neutralidade. Naquela sessão específica, enquanto minha paciente falava sobre sua dor, senti minhas emoções emergirem. A profundidade do seu sofrimento, a dureza de suas palavras, tudo aquilo ressoou em mim de uma forma que não consegui conter. E então, as lágrimas vieram.


Esse momento me confrontou com um dilema interno: eu estava sendo profissional? Estava sendo útil à minha paciente ao demonstrar minha própria vulnerabilidade? Mas enquanto refletia sobre o ocorrido, percebi que aquelas lágrimas não eram um sinal de fraqueza ou falha profissional. Elas eram, na verdade, uma resposta humana e empática ao que estava sendo compartilhado. Ao chorar, eu não apenas validava a dor da minha paciente, mas também mostrava que, naquele espaço terapêutico, ela não estava sozinha em seu sofrimento.


Graças a Terapia do Esquema, uma das abordagens da psicologia, percebi que chorar era uma forma de suprir alguma necessidade da minha paciente. Todos temos necessidades emocionais básicas que precisam ser supridas para que possamos desenvolver uma vida saudável e equilibrada. Quando essas necessidades não são atendidas, desenvolvemos esquemas ou padrões disfuncionais que afetam nossa maneira de pensar, sentir e agir. Um dos objetivos dessa terapia é ajudar o paciente a identificar e transformar esses esquemas, muitas vezes suprindo as necessidades emocionais não atendidas na infância.


Naquele momento de vulnerabilidade compartilhada, meu choro foi uma forma de atender a uma dessas necessidades emocionais da minha paciente. Ela precisava sentir que sua dor era válida, que o que ela estava experienciando era algo que qualquer ser humano poderia sentir em circunstâncias semelhantes. Minhas lágrimas foram uma maneira de demonstrar que sua dor era real, e que, embora eu estivesse em uma posição de terapeuta, também era uma pessoa capaz de sentir e ser tocada por sua história.


Esse episódio me ensinou que, às vezes, a neutralidade terapêutica precisa ceder espaço para a autenticidade humana. Mostrar emoções, quando isso é genuíno e apropriado, pode ser uma poderosa ferramenta de cura. Não se trata de perder o controle ou de abandonar o profissionalismo, mas de usar a empatia e a conexão humana como uma ponte para ajudar o paciente a se sentir compreendido e acolhido em sua jornada.


Assim, ao refletir sobre essa experiência, reafirmo minha crença de que a terapia não é apenas um processo técnico, mas também uma interação profundamente humana. E, em alguns casos, permitir que nossas próprias emoções se manifestem pode ser exatamente o que o paciente precisa para encontrar conforto, validação e, eventualmente, cura.






 
 
 

Comments


bottom of page